A CULTURA DO PERFUME: INCURSÕES NA MARCA DIOR
A CULTURA DO PERFUME: INCURSÕES NA MARCA DIOR
por
Maria Emília Soares (FES/JF) Isabela Monken Velloso (IAD/UFJF) Maria
Emília Soares é especialista em Moda, Cultura de Moda e Arte pela UFJF,
integrante do Grupo de pesquisa “Interfaces da Moda: saberes e
discursos” do IAD/UFJF e professora do Curso de Design de Moda da
Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora. Contato: ailimesil@gmail.com
Isabela Monken Velloso é doutora em Ciência da Literatura (Semiologia)
pela UFRJ, líder do grupo de pesquisa “Interfaces da Moda: saberes e
discursos” do IAD/UFJF e professora adjunta do Bacharelado em Moda do
IAD/ UFJF. Contato: isamonken@uol.com.br
Resumo: A Cultur do Perfume e a trajetória da marca Dior
Neste
artigo, são apresentadas reflexões sobre a cultura do perfume e a
trajetória da marca Dior no âmbito desse universo. A pesquisa contempla
ainda um breve panorama dos diversos lançamentos da marca, incluindo
informações acerca das fragrâncias, das ilustrações e dos contextos a
elas vinculados.
Cheiros acionam lembranças e nos proporcionam
estados de sensibilidade especiais. Pensar em aromas implica dedicar-se a rastros, como nos releva a
etimologia da palavra: o termo perfume
é originário do latim “per 2 fumum”, através da fumaça. Pegadas aromáticas, tal como a fumaça, são
signos indiciais, ou seja, são representações que se realizam por
contiguidade física do referente. Como uma pegada, uma digital, o
cheiro emanado pela combinação do perfume
na pele é idiossincrático: as sínteses aromáticas nunca são
iguais. Cada indivíduo emanará um aroma próprio ao perfumar-se e a
fragrância final será fruto da maestria do perfumista com as particularidades
físico-químicas de cada pele, de cada sujeito, de seu humor e até mesmo
de sua alimentação. Pequenas nuances alteram o aroma ou sua intensidade
e nelas incluem-se, por exemplo, o nível de oleosidade da pele, o
cultivo das flores da fragrância, se o perfume sofreu ou não fricção ao
ser aplicado e inúmeras outras sutis variáveis. Se o perfume, por um
lado, integra o universo coletivo da Moda, de suas instâncias e marcas,
por outro, configura-se como algo profundamente individual, na escolha,
na aderência, na síntese. Com sua força imaterial aos olhos humanos, as
partículas olfativas driblam os limites tênues do estilo e da Moda, do
visual e do imaterial – cheiros também sugerem imagens e associações
mentais. Apesar de a relação com o cheiro ser algo extremamente
subjetivo, não se poder negar a existência de valores olfativos
socialmente partilhados, configurando-se como representações de caráter
simbólico, convencionadas por práticas reincidentes. Nesse sentido,
pode-se, por exemplo, citar a inserção de notas cítricas, abertas e
voláteis, como vinculadas à ideia de limpeza e de frescor e as notas
moderadamente adocicadas ou fechadas como traços presentes em muitos
acordes tidos como sensuais. Os aromas sempre foram manipulados pelo
homem desde quando se descobriu que a queima de determinadas ervas
originava fragrâncias especiais. O universo dos aromas participa da
cultura humana e de seu surgimento, integrando práticas de culto, de
magia, cerimônias sagradas, rituais de sedução, vivências de fruição e
de prazer individual, assumindo também, ainda que de forma não unânime,
funções terapêuticas. Os perfumes são ainda importantes dispositivos
que acionam de forma singular a memória do sujeito e de suas vivências,
recuperando em frações de segundos e de maneira quase holística
sensações factualmente pregressas. A preferência ou a relutância por
determinados aromas não raro se vincula a 3 situações experenciadas
pelo sujeito e que são rapidamente resgatadas pelo contato com certos
acordes ou notas olfativas. Os perfumes também se inserem como
elementos constituintes do vasto repertório da Cultura de Moda e da
sedução, constituindo-se, com os cosméticos, a principal fonte do saldo
de vendas das grandes empresas e marcas internacionais como Dior, Givenchy, Chanel, Saint Laurent,
Kenzo, Calvin Klein, Lanvin entre outras. Recentemente,
assistimos a utilização de “marcas
olfativas” por grifes e
criadores que aromatizam seus ambientes e produtos com o intuito de
criar um contexto sensorial que reafirme os valores ou a estética da
empresa. Tal experiência, entretanto, já teria sido utilizada por Christian Dior, na inauguração de
sua maison. Os presentes no palacete da Avenida Montaigne, naquela
manhã de fevereiro de 1947, não só participaram de um marco da moda, a
Coleção Carole 1 , como puderam sentir o perfume inovador, o primeiro e
um dos mais apreciados, que levava a assinatura Dior. Miss Dior trazia para aquele
ambiente um complemento ao figurino revolucionário, enchendo a sala com
uma fragrância inédita que combinava elegância, feminilidade, e
sensualidade. Para esse feito, Christian Dior convidou o perfumista de
Grasse, Paul Vacher, que deu à criação toques florais sobre uma base de toques
verdes (gálbano e musgo). Vestido por uma pequena ânfora de cristal
Baccarat, inicialmente numa edição limitada de 200 exemplares, recebeu,
anos mais tarde, uma nova roupagem, em um frasco brilhante, com
pied-de-poule gravado em relevo e ornado com um laço de fita preta em
cetim. Esse mesmo elemento, o laço, aparece, na ilustração de René
Gruau para a divulgação do perfume, envolto junto com um colar de
pérolas, no pescoço de um cisne branco, símbolo da renovação, que
percorre águas calmas. 1 Popularmente conhecida como New Look, assim
chamado pela colunista americana da Harper's Bazaar, Carmel Snow, as
criações com saias volumosas de 20 metros de circunferência, cinturas
marcadas, ombros arredondados e chapéu inclinado, encarnava a
feminilidade com um misto de exuberância e elegância. O sucesso foi
imediato e não ficou restrito à alta-costura, os modelos de Dior
ganharam as ruas e ultrapassaram fronteiras. Inspirando-se no passado,
o estilista retomou o glamour, perdido pelas casas de alta-costura que,
antes da Guerra, apresentavam uma moda simplista e de elegância
minimalista, influenciados por Chanel e pelo modernismo dos anos 1920.
4 A cargo do ilustrador também ficou a arte publicitária de Diorama, de
1949, perfume complexo e sensual, com notas de chipre e frutas, pêssego
e jasmim, que levou a assinatura do perfumista Edmon Roudniska. Na
ilustração, em uma cadeira, estilo Luís XVI, com estofado cor de rosa,
encontra-se, deixado sobre ela, um vestido negro com um par de luvas
longas brancas. No ano de 1953, Dior lança o Christian Dior Eua
Fraîche, um perfume unissex, de fragrância cítrica e fresca assinada
por Edmond Roudnitska, com design de Colas Guerr. Entre as imagens
usadas para sua divulgação destacam-se duas mãos, uma feminina e outra
masculina, que se estendem para pegar o frasco do perfume, sugerindo a
sua intenção de ser usado por ambos os sexos. Já na ilustração de René
Gruau, observam-se as costas de uma cadeira de praia, em que apenas a
parte superior da cabeça está visível, não sendo, portanto, possível
distinguir se um homem ou uma mulher ocupa este lugar. Ao redor, uma
toalha de banho, raquete de tênis, óculos de sol e um frasco de
Christian Dior Eua Fraîche, propondo seu uso, para refrescar os dias
quentes. Edmond Roudnitska também assina a fragrância de Diorissimo, em
1956, um floral com notas de jasmim, lírio-do-vale, narciso e
ylang-ylang. Segundo Lagorce (2006, p.46) “apareceu na história dos
perfumes, como o último dos grandes uniflorais, numa categoria que
remonta às origens das fragrâncias, inventadas uma a uma para
reproduzirem um aroma da Natureza”. Na arte publicitária de René Gruau,
um homem vestindo “black tie” tem seu rosto coberto por um enorme
bouquet de flores que carrega em seus braços. As flores se fazem também
presentes em um outro desenho do artista, numa alusão ao primeiro
frasco do perfume Diorissimo, em que substituem os cabelos de uma
mulher que tem a face apoiada pelas mãos vestidas por longas luvas
pretas. Diorling vem na sequência, lançado em 1963, nele, o couro
floral ganha vida nas mãos do perfumista Paul Vacher e a embalagem é
assinada por Guerry Colas. Na ilustração de moda de René Gruau para a
fragrância, há uma mulher, amante da tradição, com um longo e volumoso
vestido branco, em um fundo preto com o frasco do perfume em primeiro
plano. 5 O Eau Sauvege, de 1966, da família olfativa chypre floral
aromático surge novamente como mais uma parceria com Edmond Roudnitska,
que criou uma nova arquitetura moderna e fresca, sinônimo de
simplicidade, mas igualmente elegante. Inicialmente, uma água de
colônia pós barba, passou a ser admirado tanto por homens, quanto por
mulheres. Seu frasco é assinado pelo design Pierre Camin e na
interpretação do ilustrador de moda René Gruau destaca-se um par de
pernas masculinas vestidas por um roupão branco e de chinelos pretos,
apresentando-se o perfume “pour hommes”. Em outra versão, as pernas
desnudas recebem uma pele de leopardo, fazendo uma analogia ao nome do
perfume. Há ainda outras ilustrações publicitárias para o Eau Sauvege
com o predomínio da cor preta, com detalhes em vermelho e branco,
mostrando um homem sedutor, observado em sua intimidade, pela fresta de
uma porta se barbeando ou saindo do banho. Outro chypre floral assinado
por Edmond Roudnitska foi o Diorella de 1972. Os ritmos de elegância e
de sedução são quebrados nas ilustrações de René Gruau que revelam uma
mulher extrovertida, dinâmica, cheia de frescor. Em destaque, no centro
da imagem, com predomínio das cores verdes e amarelas, a figura
transmite a sensação de movimento através do volume de seus cabelos e
posição das pernas, com um descontraído sorriso no rosto. Assinado pela
equipe Parfums Christian Dior, o Dioressence surge em 1979, com notas
de aldeídos, frutas, jasmim, gerânio, canela, cravo, tuberosa,
ylang-ylang, lírio, patchouli, musgo de carvalho, vetiver, benjoim,
baunilha e almíscar. Com cores fortes e representando um clima mais
tropical, a fragrância é abordada na ilustração de René Gruau pela
imagem de uma mulher deitada sobre almofadas, com um longo vestido
vermelho, destacandose em sua face somente o olhar misterioso e
sensual. O audacioso Poison de 1985 é uma fragrância floral tuberosa do
perfumista Edouard Flechier. Envolto em muitas simbologias, seu frasco
em forma de maçã, que representa a transgressão de Eva, evoca magia,
imortalidade e conhecimento. Seu aroma desperta reações antagônicas:
“quando apareceu, em 1985, houve quem perdesse a cabeça pelo seu aroma
adocicado e quem não pudesse suportá-lo por essa mesma razão” (O
FASCINANTE..., p. 225). Posteriormente, novas versões foram lançadas
como 6 Tendre Poison Eau de Toilette, Hypnotic, Poison Eau de Toilette,
Pure Poison Eau de Parfum e Midnight Poison Eau de Toilette. A partir
do lançamento de Poison, percebe-se o uso recorrente dos mesmos
elementos visuais nas campanhas publicitárias dos perfumes: modelos
como ícones de beleza, imagens frequentes do perfume anunciado e a
reiteração nome da marca. A fragrância Fahrenheit, lançada em 1988,
destinada ao público masculino, é assinada pelos perfumistas Jean -
Louis Sieuzac e Maurice Roger que juntos criaram mais um clássico da
perfumaria. Fragrância da família olfativa floral amadeirado
almiscarado, suas campanhas exploram paisagens naturais e um homem
livre, aberto ao mundo e à natureza. Da família dos florais surge, em
1991, o Dune, com notas de lírio, peônia, sândalo, baunilha, figo,
tangerina, jasmim e peônia branca, evoca a sensibilidade de uma nova
mulher. Segundo dados apresentados na Coleção “O Fascinante Mundo Dos
Perfumes” (1998), esses valores também foram compartilhados com os
homens através do Eau de Toilette Dune pour Homme, em 1997. Em 1995, o
Dolce Vita, com tons florais e notas de frutas, é criado para “uma
mulher que seduz com o sorriso e a alegria, e festeja o prazer de
viver” ( O FASCINANTE..., p.47) Cinco anos se passaram até o lançamento
do novo sucesso da perfumaria Dior, o J’ADORE, um floral frutal
assinado por Calice Becker. Em 2005, ano em que Monsieur Dior
completaria 100 anos, a perfumista Christine Nagel assinou a fragrância
de comemoração, o Miss Dior Chérie, um perfume derivado do clássico
Miss Dior. O chipré gourmand apresenta notas de “mandarina verde,
morango, violeta, jasmim, pipoca caramelizada, sorvete de morango,
pathulli fresco e musk cristal” (Guia de Perfumes 2010). Seus anúncios
publicitários tiveram grande repercussão por terem a assinatura da
diretora Sophia Coppola. Na primeira versão, no ano de 2008, com forte
alusão ao universo do filme Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006),
por seus tons pastel, é estrelado pela modelo Maryna Linchuk com trilha
de Brigitte Bardot. Já no spot de 2011, a atriz Natalie Portman é a
escolhida para ser o novo rosto da marca. No período de lançamento da
campanha, a atriz destacou-se por sua interpretação no filme “Cisne
Negro” (Black Swan, 2010), havendo aí uma estrutura discursiva
interessante no âmbito da marca: na 7 ilustração publicitária de René
Gruau para o Miss Dior, o cisne - personagem também interpretado pela
atriz - é adornado pelo laço preto de cetim. Curiosamente, esse adereço
também é utilizado pela atriz na campanha contemporânea. Na divulgação
do produto, no site oficial da marca, são apresentadas informações
relevantes para o universo da perfumaria e da Moda - dados muito úteis
a pesquisadores e estudantes da área. Além da versão Miss Dior Chérie
Eau de Parfum, há ainda outras fragrâncias como Miss Dior Chérie Eau de
Toilett e Miss Dior Chérie L’Eau. A primeira, desenvolvida pelo
perfumista François Demachy, é uma fragrância fresca e floral, a
segunda, assinada pelo mesmo nez, traz o frescor da gardênia, musk
branco, essência de laranja, jasmim e rosas. O desenvolvimento de uma
fragrância não é algo simples, exige-se do perfumista uma considerável
formação e uma vasta memória olfativa construída ao longo de dedicadas
observações e testes. Os chamados “nez”2 , desenvolvem fragrâncias que
atendam a valores intangíveis solicitados pelas marcas, e, por vezes,
para se chegar a um acorde adequado pode-se demorar até seis meses.
Observando-se as diversas fragrâncias lançadas pela marca Dior ao longo
de tantos anos, podem-se notar como traços reincidentes ideais
vinculados ao luxo, à feminilidade reiterada, aos índices de glamour e
de uma distinção estética afiliada ao universo da tradição. Esses
aspectos deram solidez ao discurso da marca, que desde sua gênese na
figura de seu criador, Dior, demonstrou seu namoro com a moda,
pactuando do seu compromisso com o sonho e com um imaginário livre e
requintado. Mesmo nas fragrâncias em que há certo despojamento ou a
despretensão de notas frescas, a idéia de diferenciação de requinte
permanece, seja no design apurado do frasco ou na elaboração de acordes
olfativos que escrevem diferentes nuances nos sujeitos que vestem esses
aromas. 2 Um “nez” reconhece inúmeras nuances, podendo identificar até
1000 notas olfativas, a partir das quais pode-se elaborar novas
sínteses. A produção de um perfume requer, além do domínio técnico,
conhecimento cultural e sensibilidade criadora. Esses elementos nem
sempre são reconhecidos pelo consumidor ou até mesmo pelos
estabelecimentos que realizam a comercialização das fragrâncias.
A Cultura do Perfume como uma vertente da Cultura de Moda
ainda é algo pouco experenciado pelo público em geral. A área carece de
ações que tornem a relação do consumidor com o perfume como um espaço
de fruição estética e vivencial. Nesse sentido, novos projetos devem
ser desenvolvidos para fomentar a formação do público na partilha
desses enredos, desses registros do labor e da sensibilidade humana. No
Brasil, praticamente não há publicações sobre a cultura do perfume.
Merece destaque a produção de Renata Aschcar, autora de obras
vinculadas ao tema: “A História do Banho”, “Brasilessência” e um
caderno anual redigido para a revista L’Officiel, na qual apresenta
informações relativas aos perfumes e lançamentos. O Museu do Perfume,
situado em São Paulo, apresenta entre seus patrocinadores a rede “O
Boticário” e seu acervo também se vincula às pesquisas de Aschcar. Uma
Pós-Graduação em Cultura do Perfume também está sendo oferecida pela
Faculdade de Santa Marcelina. O grupo de pesquisa “Interfaces da Moda:
saberes e discursos”3 do Bacharelado em Moda do Instituto de Artes e
Design da Universidade Federal de Juiz de Fora também vem se dedicando
a refletir sobre o universos dos aromas na Cultura de Moda. Ações como
essas contribuem na formação de críticos, pesquisadores e fruidores
desse espaço singular e ainda pouco explorado dos aromas e de suas
ressonâncias.
Referências DIOR.
Disponível em: www.dior.com.
Acesso em: 01 de maio de 2011. LAGORCE, Giraerd Sylvie.
Os 100 Perfumes de Sempre. Lisboa: Editora Estampa Ltda, 2006. O FASCINANTE Mundo dos Perfumes. Vol. 1. São Paulo: Planeta, 1998. 3 Contatos: Profa. Dra. Isabela Monken Velloso IAD/UFJF (coordenadora do grupo): isamonken@uol.com.br; Profa. Esp. Maria Emília Soares (pesquisadora integrante): ailimesil@gmail.com; Wanessa Dôse Bittar (pesquisadora integrante): wanessabittar@yahoo.com.br 9 POCHNA, Marie-France. Dior. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
texto
retirado do site: http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/7-Coloquio-de-Moda_2011/GT02/Comunicacao-Oral/CO_89594A_Cultura_do_Perfume_incursoes_na_marca_Dior_.pdf
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